segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

ARTIGO - A CIÊNCIA DO APRENDIZADO

Neurocientistas ajudam professores e pedagogos a desenvolver novas estratégias de ensino.
Enquanto educadores, filósofos, psicólogos, antropólogos e sociólogos discutem há décadas se as escolas conseguem de fato transmitir o que os estudantes precisam para um futuro de sucesso, as neurociências têm se mantido de fora das questões didáticas. Um paradoxo, considerando que, afinal, o aprendizado se dá na cabeça: todo o processo é acompanhado de alterações no cérebro. Portanto, cabe à neurobiologia fornecer a base científica sobre a qual se poderiam erigir teorias didáticas modernas.
Foi dessa idéia que partimos há alguns anos, ao fundar uma nova disciplina: a neurodidática. Ela procura configurar o aprendizado da melhor maneira que o cérebro é capaz de aprender. Com frequência, porém, essa abordagem enfrenta a resistência dos pedagogos mais voltados às ciências humanas. E, no entanto, a ninguém ocorreria encomendar a pintores, encanadores ou jardineiros a construção de uma casa - prescindindo do trabalho do engenheiro. De todo modo, o fato é que, à luz das novas descobertas neurocientíficas acerca do aprendizado, muitas das hipóteses das ciências educacionais têm se revelado demasiado simplistas.
É o caso, por exemplo, das teses de Jean Piaget. Segundo o suíço - um dos pais da psicologia do desenvolvimento, falecido em 1980 -, a evolução cognitiva se dá por estágios que se sucedem de forma sistemática. Determinadas capacidades e deficiências lógicas marcam cada uma dessas etapas, e estas fixam fronteiras etárias para o aprendizado. Num de seus experimentos mais famosos, Piaget verteu água de um copo largo em outro, mais delgado, diante dos olhos de crianças em idade pré-escolar. A maioria de seus voluntários insistiu que o copo delgado continha mais água - graças ao nível de água mais elevado.
Piaget atribuiu essa insistência ao fato de as crianças só serem capazes de considerar uma única dimensão, negligenciando largura e profundidade. Concluiu que na chamada fase pré-operacional - que se estende até os 6 anos -, elas não estariam em condições de, ao apreender o mundo, considerar e combinar de forma sensata várias informações ao mesmo tempo. Em razão dessa incapacidade para o raciocínio lógico, seria inútil tentar ensinar uma criança em idade pré-escolar a fazer contas.
Nesse meio-tempo, no entanto, tornou-se voz corrente que crianças pequenas são, sim, capazes de efetuar semelhantes operações intelectuais, contanto que aprendam de modo apropriado a sua idade. Aos 3 anos, elas já têm senso para relações físicas fundamentais, e podem definir velocidades associando corretamente caminho a percorrer e tempo. Do mesmo modo, compreendem instintivamente o princípio de Arquimedes, ou seja, um corpo flutuará só se a densidade dele for menor que a da água.
Até mesmo bebês possuem considerável saber básico. Aos 4 meses, distinguem entre quatro ou seis pontos desenhados numa lousa - o primeiro passo para fazer contas. Ainda engatinhando, revelam compreensão matemática quando ordenam seus bichos de pelúcia de acordo com a altura de cada um. Crianças buscam sempre estender essa compreensão intuitiva, mas de forma diferente de adultos.
"Aprender fazendo" é o princípio que rege os primeiros anos de vida. De forma sistemática, concentrada e em geral com inabalável coerência, os cientistas mirins efetuam experiências ou toda uma série de tentativas das quais extraem teorias que serão corroboradas ou revistas mediante novas tentativas. Depois de jogar para o alto pela centésima vez um tijolinho Lego - e vê-Io cair no chão de novo -, a criança sabe que a gravidade existe, embora desconheça o conceito. Estudos comportamentais demonstraram que os pequenos expandem seu saber com tanto maior velocidade quanto mais puderem experimentar por conta própria. Assim, se Piaget tivesse solicitado algumas vezes a seus voluntários que vertessem eles próprios a água de um copo no outro, talvez tivesse chegado a outra conclusão.
Neurobiólogos descrevem o cérebro como um sistema dinâmico que, no nascimento, dispõe de um estoque básico de saber prévio e começa, de imediato, a dirigir perguntas ao exterior. Desde o primeiro choro, bebês ocupam-se de descobrir o que se passa em torno deles. Por muito tempo, deu-se como certo que a capacidade de desempenho do cérebro - e, portanto, também o potencial de aprendizado - era predeterminada pela genética, como a cor dos olhos ou dos cabelos. Experimentos com animais demonstraram, porém, que a hereditariedade define tão-somente o equipamento básico para a construção neuronal. O fluxo das informações provenientes dos sentidos e a interação dinâmica e constante com o meio determinarão, a seguir, como o cérebro irá se desenvolver, isto é, o que vamos aprender e que talentos desenvolveremos.
Logo ao nascer, todo ser humano possui centenas de bilhões de neurônios, um número que, aliás, sofre pequena redução ao longo da vida. Nos dois primeiros anos, crescem sobretudo as conexões mediante as quais cada célula nervosa envia sinais a milhares de outras. Pontos especiais de contato - as sinapses - transmitem as informações entre as diferentes células. Por intermédio de uma quantidade superior a centenas de trilhões dessas ligações sinápticas, os neurônios se reúnem em redes capazes de se comunicar entre si, mesmo a distâncias maiores.
De início, surgem sinapses em profusão, uniformemente distribuídas. Quando, porém, certos neurônios respondem a estímulos que se manifestam em conjunto, disparando neurônios de forma sincronizada, as sinapses entre tais neurônios se fortalecem e perduram por longo tempo.
Como um escultor que talha a pedra, dando forma a sua escultura, processos de aprendizado modelam o cérebro dootado de sinapses em excesso. Eles dissolvem conexões pouco utilizadas ou fortalecem as ativas e de uso frequente. Desde o tatear inicial do bebê, passando pela fala, pelo conhecimento pormenorizado de cada pokémon, até os vocábulos em inglês - tudo que aprendemos altera nossa rede neuranal. Assim, o desenvolvimento das capacidades cognitivas e o do cérebro estão vinculados um ao outro de forma indissociável - e o mesmo se aplica à didática e às neurociências. Apenas em conjunto, elas podem desenvolver novas estratégias de aprendizado apropriadas às crianças, que permitam a educadores reconhecer melhor e estimular os talentos individuais de seus alunos. E os que sabem de que forma e segundo quais condições o cérebro se modifica durante o aprendizado sem dúvida poderão ensinar melhor.
Embora o aprendizado jamais tenha fim, as bases do saber futuro são lançadas em grande parte já na infância. A crença de que aquilo que não se aprende em criança tampouco se poderá aprender quando adulto tem fundamento neurobiológico. Afiinal, quais neurônios vão se interconectar é algo que sobretudo os primeiros 15 anos de vida irão decidir. Por essa época, estará constituído o diagrama básico dos circuitos formados pelas células nervosas. O amadurecimento do cérebro estará, em grande medida, completo, e definidos estarão, ao menos em linhas gerais, os trilhos que nortearão o pensamento adulto. Depois disso, as redes neuronais ainda seguirão dispondo de certa plasticidade - até idade avançada, sinapses serão fortalecidas ou enfraquecidas por novos estímulos, experiências, pensamentos e ações, o que nos possibilita aprender durante toda a vida -, mas, passada a puberdade, o cérebro se deixa modelar com menos facilidade, e a formação de novas conexões sinápticas torna-se mais rara. É por essa razão que nossa dificuldade em reter dados novos na memória é tão maior quanto mais tardia sua aquisição.
·     Estoque de sons
É essencial estimular as sinapses tão cedo e de forma tão variada quanto possível nas crianças - por exemplo, com o auxílio de línguas estrangeiras. Assim, não seria insensato tocar para um bebê que ainda engatinha CDs com histórias em inglês. Ainda que ele mal consiga entender as palavras, a mera audição desenvolverá em diversas regiões do cérebro os canais neuronais apropriados à aquisição posterior dessa língua. Uma delas, responsável pela compreensão linguística, é a área de Wernicke, que diferencia sons humanos e classifica os diversos elementos de um idioma.
Ao ouvir, o cérebro infantil está sempre à procura de padrões acústicos que chamem sua atenção. Quando os encontra, ele os armazena na área de Wernicke. Pouco a pouco, tem origem uma memória para os sons das palavras do ambiente linguístico em questão. A criança que se familiarizou desde cedo com os sons de duas línguas irá dispor, mais tarde, de um estoque mais rico em padrões sonoros que outra criada em convívio exclusivo com a língua materna.
No tocante à fala, a região cerebral responsável por ela é principalmente a área de Broca, onde se desenvolve a memória para a pronúncia. Pela imitação dos sons ouvidos, a criança aprende a ajustar suas próprias manifestações sonoras, a diferenciá-Ias e a classificá-Ias como componentes da língua. Graças às redes neuronais desenvolvidas em decorrência do contato com a segunda língua, a criança já se familiariza com suas particularidades sonoras. Quando, na escola, ela depara com as primeiras palavras em inglês, seu cérebro pode recorrer àquele circuito. Desse modo, grava novas palavras na memória com maior velocidade e tem mais facilidade na produção da pronúncia correta.
Todo aquele que, desde pequeno, convive com duas línguas fixa a segunda em redes tão estáveis que continuará dominando-a ainda que tenha deixado de usá-Ia por décadas. Isso se aplica a outras áreas, como a dos números. Exercícios tão lúdicos quanto a justa divisão de um bolo entre amiguinhos nas brincadeiras cotidianas lançam as bases neuronais da compreensão matemática.
·     Contato com o mundo
O desenvolvimento do cérebro demanda, portanto, interação constante com o mundo exterior. Neurocientistas pesquisaram a fundo essa questão no que se refere ao nosso aparato visual. Ao nascermos, nossas conexões neuronais relativas à visão encontram-se, grosso modo, definidas por nossa estrutura genética. Os necessários refinamentos ocorrem, então, na interação com o ambiente. Importância particular tem aí uma fase do desenvolvimento chamada "período crítico". Se, durante esse período, a influência do entorno é inexistente ou limitada, a capacidade visual se desenvolve de modo apenas parcial, ou chega mesmo a perder-se por completo.
A fase crítica vai até o início da idade escolar. Quem, ao longo desse período, não faz uso ativo da visão e alimenta o próprio cérebro de informações visuais, jamais aprenderá a ver, uma vez que as conexões sinápticas necessárias não mais poderão se constituir no futuro. Em princípio, isso se aplica também aos processos cognitivos. A multiplicidade dos estímulos exteriores determina qual será a complexidade das ligações entre as células nervosas e como elas se comunicarão entre si - a própria evolução cuidou disso. É somente quando o desenvolvimento do cérebro é determinado por aquilo que se aprendeu e experimentou que a adaptação do nosso órgão central ao ambiente em que vivemos se dá de forma ideal.
Que importância isso tem para a didática? Quando educação e formação dão às crianças os estímulos intelectuais de que o cérebro precisa, as capacidades mentais podem se desenvolver - e aprender se torna fácil. Em especial na pré-escola, e até a 4ª série do ensino fundamental, os pedagogos com frequência evitam educar o pensamento das crianças de forma direcionada - provavelmente porque não desejam sobrecarregá-Ias. Mas é precisamente entre os 3 e os 10 anos que o cérebro está sempre à procura de novo alimento, o que, de resto, o mundo lhe oferece em abundância: a cada segundo, uma profusão incomensurável de impressões abre caminho pela via dos sentidos.
·     Roedores felizes
Contudo, nem todos esses estímulos adentram nossa percepção, ou nossas células cinzentas logo atingiriam o limite da sua capacidade de ordenar sensatamente tamanha quantidade de informação. Em vez disso, o que ocorre é um constante processo de seleção a destilar a ínfima porção que tem importância suficiente para ter acesso ao cérebro. A instância decisória é a atenção. Ela faz com que, da imensa gama de estímulos, os órgãos dos sentidos selecionem aqueles que devem ser processados pela consciência. Considerando que o cérebro se interessa sobretudo pelas alterações no mundo ao nosso redor, objetos novos, chamativos ou em movimento despertam atenção de forma quase automática.
Tudo que é desconhecido estimula com particular intensidade as redes neuronais e, por isso mesmo, se deposita muito facilmente na memória, como informação. Crianças adoram surpresas, e o mesmo acontece com seu cérebro. Isso não se limita aos ovos de chocolate e a seu conteúdo. Um ambiente rico em variedade, capaz de despertar todo dia a curiosidade pelo novo, conduz quase automaticamente ao aprendizado.
Todavia, por quais estímulos nos decidimos é algo que depende também de fatores internos, e principalmente do significado que atribuímos a um evento. Cada mensagem provinda dos sentidos faz o cérebro vasculhar a memória em busca de informações pertinentes a ela. Reúne-se tudo que já se aprendeu ou experimentou no passado a seu respeito. Se, por exemplo, uma nova circunstância lembra algo interesante ou agradável, o cérebro ativa a totalidade das redes nervosas que, de alguma forma, possam ter a ver com esse fato novo. E aí inclui o elemento novo - já o aprendeu.
Na apreensão de estímulos exteriores, é especialmente de si mesmo que o córtex cerebral se ocupa. A maior parte dos seus neurônios recebe sinais de outros neurônios corticais e os retransmite apenas a células dessa mesma região. A razão para tanto é que essas células nervosas comparam a informação sensorial recebida com conteúdos já existentes da memória. Quanto maior a quantidade de dados semelhantes preexistentes, tanto mais fácil é a fixação do novo. Aprender é, pois, um processo que se auto-alimenta: quanto mais um aluno souber de matemática ou inglês, tanto mais rapidamente avançará nessas matérias.
Como é o cotidiano escolar? Raras vezes ele procura expandir as capacidades preexistentes. Ao contrário, busca-se compensar o déficit resultante da comparação entre o currículo exigido e o saber efetivo dos alunos, como a dizer: "Se ele não compreender o cálculo integral agora, não vai atingir o objetivo do curso". Em vez de a escola se valer das capacidades de cada um e expandi-las, os alunos são predominantemente atormentados com suas deficiências individuais.
A situação é ainda pior. Muitos professores ensinam suas matérias sempre da mesma maneira. Aos alunos, resta, como último recurso, decorar os conteúdos ensinados, em vez de aprendê-Ios. Do ponto de vista neurobiológico, faz pouco sentido. Se o aluno não compreendeu algo bem, decorar irá fortalecer precisamente as conexões estabelecidas de forma equivocada, pois ele seguirá ativando-as. Dessa forma, o erro se imprimirá cada vez mais fundo no cérebro. Para tanto, há apenas uma saída: a total modificação da metodologia empregada na explicação. Aprender de novo é muito mais fácil que obrigar uma rede neuronal consolidada a reaprender.
Se fracassar seguidas vezes num mesmo problema é frustrante, o sucesso no aprendizado, por sua vez, transmite satisfação ao aluno. O próprio cérebro cuida disso. No Centro de Pesquisas do Aprendizado e da Memória, em Magdeburg Alemanha, os neurobiólogos Henning Scheich e Holger Stark examinaram os neurotransmissores no córtex pré-frontal de roedores. Verificaram então que, quando os animais desempenhavam corretamente uma tarefa, o resultado era um nítido aumento do nível de dopamina. Esse aumento provoca um sentimento de felicidade mediante o qual, de certo modo, o próprio animal se recompensa.
Em conjunto com a acetilcolina (outro neurotransmissor presente no sistema nervoso), a dopamina faz com que também o aprendiz humano queira mais. Quando conseguimos classificar uma nova informação num contexto preexistente - ou seja, quando aprendemos algo além do que sabíamos -, ambas a substâncias não apenas aumentam nossa concentração como nos fazem sentir satisfação.
'Tudo que dá alegria aprender, a memória auxilia" - disso já sabia Johann Amos Comenius, um dos fundadores da didática, no século XVIl, e é provável que o soubesse por experiência própria. Hoje, está cientificamente comprovado que as emoções desempenham papel decisivo na construção da memória. Responsável por isso é o chamado sistema límbico, estrutura cerebral por onde passa todo sinal enviado pelos órgãos dos sentidos e possibilita toda a nossa gama de estados emocionais - desde a raiva, a tristeza, o medo até a felicidade e o prazer.
O sistema límbico avalia diretamente as informações, ainda antes que a consciência possa desempenhar algum papel. É por essa razão que somos capazes, por exemplo, de reagir instantânea e instintivamente a situações de perigo. Mas o sistema emocional decide também que estímulos são importantes e valiosos. Ao passar pelo córtex cerebral, toda situação é comparada a experiências e reflexões anteriores, alcançando, então, a consciência. Em seu conjunto, os sentimentos podem estimular o aprendizado, intensificando a atividade de redes neuronais e fortalecendo suas conexões sinápticas.
Informações nas quais o sistema límbico estampou um selo emocional encravam-se no fundo da memória, e de forma bastante duradoura. Enquanto o mero saber muitas vezes se dissipa com rapidez, os sentimentos perduram por muito tempo. O cérebro se aproveita disso, vinculando diversos conteúdos da memória a um mesmo matiz emocional, que, mais tarde - no aprendizado - é reativado e facilita a integração dos elementos de uma nova situação na rede preexistente.
Informações revestidas de colorido emocional não apenas encontram com mais facilidade o caminho até a memória de longa duração: elas permanecem mais acessíveis, prontas a ser evocadas. Em que grande medida sentimentos e lembranças estão conectados é o que se pode depreender também do fato de certos distúrbios da memória, como no mal de Alzheimer, estarem vinculados a lesões no sistema límbico.
A neurobiologia mostra, portanto, que se aprende melhor quando o objeto do aprendizado tem conteúdo emocional - o que, convenhamos, em se tratando de tópicos matemáticos complicados, nem sempre é fácil. Contudo, os educadores podem, por exemplo, embrulhar áridas fórmulas no belo papel de presente de uma história emocionante. Muito importante é que o ambiente de aprendizado seja emocionalmente agradável. Isso estimula a curiosidade e a motivação dos alunos, do que se beneficiarão não somente o aprendizado, mas o ensino, sobretudo de tópicos complexos.
Que os sentimentos exercem influência sobre percepção e atenção, isso todos nós já observamos ao ler um livro. Há romances que simplesmente não despertam nosso interesse. Se, contudo, o enredo faz vibrar uma corda da emoção, mergulhamos fundo na história que, então, o sistema límbico se encarregará de tomar inesquecível.
·     Aprender brincando
O mesmo vale para a sala de aula. Se a criança apenas observa de forma neutra o que se passa, dificilmente reterá alguma coisa na memória. Apenas os sentimentos são capazes de transformar uma aula numa experiência pessoal, porque nesse caso os conteúdos a aprender passarão a significar alguma coisa para o aluno. Em decorrência disso, também o sucesso no aprendizado chega mais rápido, acompanhado do sentimento de satisfação que recompensa o esforço.
Emoção e motivação balizam, pois, o sistema da atenção, que decidirá que informações serão armazenadas nos circuitos neuronais e, portanto, aprendidas. A atenção, no entanto, funciona mal se fixada em duas coisas ao mesmo tempo. A atividade numa rede neuronal inibe a atividade nas demais. Assim, a altemância constante entre dois tópicos diversos em sala de aula faz pouco sentido. Crianças precisam de tempo para a assimilação consciente de um conteúdo a aprender. Despertado o interesse, devem ter a oportunidade de se concentrar no assunto e de, então, se despedir dele com igual cuidado. Em termos neurobiológicos, isso significa: aquecer, primeiro, a rede neuronal em questão, mantê-Ia ativa e, por fim, deixá-Ia seguir trabalhando em paz.
Ainda que, em certas esferas, o cérebro seja muito superior a qualquer supercomputador, sua capacidade de desempenho tem limitações também. O "gargalo" parece situar-se na passagem entre as memórias de curta e de longa duração. Toda impressão sensorial que o sistema da atenção considera relevante deposita-se, primeiramente, na memória de curta duração. Sua fixação mais duradoura no cérebro dependerá da intensidade da impressão provocada nele, e de ele seguir ou não se ocupando dela. Isso demanda alterações químicas e elétricas capazes de fortalecer os contatos sinápticos, estabelecidos frouxamente de início. As células nervosas interconectadas vão pouco a pouco formando um padrão de conexões sólidas que constituem a memória de longa duração.
Contudo, esse processo sofre a perturbação das muitas informações que chegam simultaneamente às células cinzentas. Não admira que aprendamos com a máxima eficácia quando nos concentramos por completo num assunto. De importância talvez ainda maior é o fator tempo. No processo de aprendizado, muitas horas se passam até que as conexões entre as células nerrvosas envolvidas possam de fato se estabilizar ou enfraquecer. As neurociências ainda não são capazes de precisar com segurança quanto tempo dura essa fase de consolidação. Mas partimos do princípio de que pouco proveito traz martelar matéria nova na cabeça do aluno no exato momento em que seu cérebro se empenha por consolidar o que acabou de aprender. Se assim procedermos, os conteúdos irão se sobrepor, o que perturbará sua fixação neuronal. O aprendizado em intervalos é, portanto, muito mais sensato, fato ao qual a didática deveria dedicar atenção redobrada. Durante uma breve pausa ou uma brincadeira relaxada, o cérebro infantil poderá armazenar a matéria ensinada sem ser perturbado.
Outra dica das neurociências aos pedagogos e educadores: quanto mais recursos forem empregados na transmissão de uma informação, tanto melhor ela se fixará na memória de longa duração. É mais fácil aprender com a colaboração do maior número possível de órgãos dos sentidos. Como todos os neurônios se comunicam via sinais elétricos, tanto faz ativá-Ios mediante a visão, o tato, a audição, o movimento ou a mera reflexão.
Decorre também do modo como o cérebro funciona aquele que é talvez o princípio mais importante da neurodidática: permitir que as crianças aprendam de acordo com seus dons e talentos individuais. Nessa chamada pedagogia da competência, não é o currículo que decide o que deve ser aprendido, e sim as capacidades individuais dos alunos. Durante muito tempo, não apenas os cientistas da educação, mas muitos neurobiólogos acreditaram que todas as pessoas vêm ao mundo dotadas dos mesmos requisitos para o aprendizado. Nesse meio-tempo, porém, já se sabe que as precondições cognitivas são dadas pela genética, sob a forma de potencial. Todavia, esse potencial só se desenvolve mediante a interação com o mundo ao redor - ou seja, mediante o aprendizado.
Toda criança possui um pacote próprio de possibilidades de desenvolvimento, tem seus talentos específicos, mas também suas fraquezas individuais. Ao que tudo indica, o sistema de busca de informações chamado cérebro sabe quais os pontos fortes do seu dono e procura explorá-Ios e expandi-Ios com perguntas direcionadas. A típica ânsia de saber das crianças, que por vezes nos parece infinita, não é, pois, arbitrária e despropositada, e sim balizada por talentos pessoais. À criança interessará mais aquilo que ela sabe melhor, e é também sobre isso que ela fará insistentes perguntas.
Por esse motivo, a tarefa mais importante dos professores - e dos pais - consiste em descobrir o que a criança domina melhor, o que desperta sua curiosidade e lhe dá alegria. A escola ideal, do ponto de vista neurodidático, ajusta os conteúdos curriculares às competências individuais dos alunos. Somente pedagogos que conhecem as capacidades de seus alunos podem dar ao cérebro aprendiz o alimento que ele demanda.
·     Roldanas primeiro
Isso não significa ensinar às crianças apenas umas poucas matérias preferidas e ignorar o restante. A pedagogia da competência não deseja abolir da formação a cultura geral, e sim estimular a ânsia de saber naquelas áreas especiais a cada criança. Ao final do ensino fundamental, todo aluno deve saber ler, escrever e, aos 14 anos, ter uma boa noção de história. A questão é, antes, se determinado conteúdo precisa ser necessariamente ensinado num momento específico e já fixado, a fim de que o currículo e o objetivo de cada série seja cumprido. Quando isso acontece, atrofiam-se os talentos e interesses inatos. E as demais áreas do conhecimento, que tal procedimento haveria de beneficiar, pouco ou nenhum proveito extraem daí: o êxito do aprendizado é bloqueado tanto pela deficiência de talento quanto pela pouca motivação.
Aprender significa também trilhar caminhos próprios, pesquisar e experimentar coisas. Isso só é possível quando a camisa-de-força do currículo escolar não aperta demais, e quando professores estimulam e avaliam seus alunos individualmente. A escola precisa inspirar vontade de aprender. E essa vontade principia em geral com a sensação de que se é capaz e, ao menos em determinadas áreas, competente.
Além disso, quem tem confiança nas próprias capacidades consegue lidar melhor com suas deficiências. "Com a cabeça, o coração e as mãos" - assim deve ser o aprendiizado ideal na concepção de Johann Heinrich Pestalozzi (t 746-1827). Os resultados da pesquisa neurocientífica moderna dão razão ao pedagogo suíço reformista. Hoje sabemos que o cérebro reúne num todo os três aspectos: o pensamento, o sentimento e a ação. Trata-se de transmitir o conhecimento necessário às crianças de um modo que corresponda ao do funcionamento cerebral. Mas isso só será possível quando professores e educadores compreenderem como transcorrem os processos de aprendizado do ponto de vista neurobiológico. Por essa razão, as neurociências e as ciências da educação precisam trabalhar juntas, em colaboração mais estreita.
Curiosidade, interesse, alegria e motivação são os pré-requisitos necessários ao aprendizado do que quer que seja. São essas condições que os sistemas educacionais deveriam criar, estimular e consolidar -, aliás, não só no ensino fundamental, mas já antes dele. Todo ser humano quer aprender a vida inteira, desde o momento em que nasce. Por essa mesma razão, neurodidática não significa apenas desenvolver métodos de aprendizado que levem em conta a neurobiologia do cérebro infantil: significa, também, acreditar na disposição de aprender como qualidade humana fundamental. Disco, ergo sum - aprendo, logo existo.
 Para conhecer mais
Revista Scientific American - por Gehard Friedrch e Gehard Preiss*
A mente e a memória. Aleksandre Romanovich Luria. Martins Fontes, 1999. Individual differences in arithmetical: implicatlons for Psychology, Neuroscience and Education. Ann Dowker. Psychology Press, 2005.
The developing mind: how relationships and the brain interad to shape who we are.
Daniel J. Siegel. The Guilford Press, 2001.

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